
As memórias e pantomnésias do querido e esplendoroso natal continuam vivas, pululando, saltitando radiantes, entre champanhes e presentes materiais trocados pelos familiares. Na grande e luxuosa ceia, famílias abastadas comeram perus covardemente assassinados aos montes, em escala industrial, estendidos nas mesas. Eles ainda estão a lembrar dos prodigiosos momentos em que os abraços dos parentes sinceramente fingidos, moldados pela situação, os envolveram tão belamente, saturando mutuamente suas narinas com o excesso de perfume que só as tias mais exageradas têm o dom de usar, junto com seus 2Kg a mais de maquilagem e bijuteria dourada. Algum Papai Noel, contratado ou da família, mais uma vez desfilou pelas chaminés, pagando o tributo à sua criadora, a Coca-Cola. E em volta de uma árvore belamente morta e torturada com apetrechos e bugigangas, crianças sonharam com brinquedos e doces, adultos com carros e transas, e Jesus com um pouco de paz, se perguntando o porquê de até agora seu aniversário ser "comemorado" em 25 de dezembro, quando na verdade nem se sabe o dia em que ele nasceu. Mas logo ele se tranqüiliza, pois ele próprio sabe que nasceu antes dele mesmo, por volta do ano -7. Cristo nasceu antes de Cristo. Portanto, um equívoco a mais ou a menos, não iria fazer muita diferença.
Logo depois, a Igreja marcou sua presença com a Missa do Galo, porém, não antes do Show da Xuxa ou de outros ícones globais, como Roberto Carlos. Ambos mais batidos que a maionese servida pelas mulheres, que certamente foram as designadas a prepararem a famigerada ceia, enquanto os homens cumpriram seu papel social machista de tomar uma cervejinha, conversando sobre os negócios e o Flamengo. E enquanto isso, milhares de mendigos observaram os carros ziguezagueando nas ruas, cheios de alegria e cerveja, passando batidos por eles em pleno espírito de comunhão natalina com o próximo. E, nessa noite feliz, certos pais choraram em silenciosa melancolia, por não poderem proporcionar um sorriso aos filhos, ambos vítimas de todo esse contexto. Talvez eles, com sorte, tenham conseguido algum emprego temporário nesse dezembro tão lindo, onde as empresas oferecem vagas para as pessoas serem exploradas por três meses, durante as festas natalinas, visto que a demanda de perus aumenta.
Ainda está lá, naquela gavetinha, a roupa toda branca do Reveillon. Costume esse africano e umbandista de se vestir de branco, que a católica e maçônica elite do Brazil utiliza nas suas pseudofestas de fim de ano, todas previamente gravadas em clubes caros para passar na televisão no dia da "virada", que não vira nada a não ser o cronômetro imaginário nas nossas cabeças. É de certa forma curioso observar a sociedade paternalista cristâ, cheia de etiquetas e bons costumes, criticar a religião umbandista e desprezar as culturas africanas durante um ano inteiro, para, no final desse, adotar uma postura de palhaço, contradizendo-se numa festa de fim de ano, adotando os costumes da mesma África repudiada.
As esperanças de se fazer tudo igual se renovaram, promessas foram feitas ao léu, e certamente serão cumpridas até o inicio do carnaval, quando muito. E pessoas muito maduras engoliram sementes, sorveram lentilhas e saltitaram pela casa toda, esperançosas de acumular mais dinheiro no ano que nascia. Sem falar que nesse dezembro, como de praxe, automóveis e álcool combinaram muito bem, culminando em drásticas estatísticas de acidentes de trânsito, presenteando muitas crianças com a Morte. Alegria alegria! E Viva o Natal! Viva o Papai Noel e as luzinhas! Viva o domingo, a cachaça, a família, a ignorância! E esperemos agora os confetes do carnaval, essa bela festa que retrata tão bem a nossa cultura no exterior!
1 commentaire:
Texto forte, cheio de personalidade. Ácido? Não, apenas sincero. Confissões...confissuras!!! Adorei e vou acompanhar tudo isso!
Beijos Agnescos...
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