Tenho eu culpa por amar demais?
O ressentimento de não sei o quê recai-me sobre os ombros, mais que a carga que já suportam, a do nada que não acontece. Da minha impotência de tranformar água em vinho e em gerar pão.
Tenho eu culpa por amar demais? Tudo isso devido a ceder demais... a gostar demais, a amar demais... tudo e todos, até o limite do improvável. A sempre buscar a harmonia entre as pessoas, prescindindo da minha vontade. Pois vejo que é possível, facilmente possível.
Podem os homanos viver em harmonia? Considerar as causas das ações? A que me foi dada essa capacidade, que quase ninguém têm? Logo eu, que não possuo nada e nem tenho o desejo de possuir, acabo virando objeto de desejo, objeto de posse. Sempre a seguir, e não ser seguido. Sempre a conceder, sem ter concessões. Sempre a seguir a vontade e o egoísmo alheio, tentando harmonizar os desejos de todos.
A que me foi dado esse coração, que abarca a inconsciência humana? Que ama e comprende, mas que nao pode mudar nada? Eles não percebem, senhor... mas agem da mesma forma. Todos por vias diferentes, agem igual aos que eles criticam. Qual o sentido disso, senhor... de perceber isso? Sofrer? Por que a dor? Pelo que os inocentes pagam?
Sim, eu sei a resposta: eles pagam por não serem a felicidade dos outros, serem incômodos, não congruírem com os planos dos outros. Logo, ficam descartados, se não brincarem de siga o chefe. Ou se forem inúteis, ou se forem velhos, mancos, cegos. O que acaba desembocando na mesma... os inocentes pagam por não estarem inclusos na busca de felicidade dos demais. Aliás, todos pagam, pois cada um tem a sua busca, a sua noção de harmonia. Então... por que não entram num consenso? Sim, eu respondo de novo: por causa do maldito ego e da falta de empatia. E amamos essas criaturas, senhor, eu e você, sabemos disso.
Ah, senhor... se eles percebessem... se eles concedessem um pouco, se dissessem mais sim como eu... Se não impusessem suas vontades. Ir à luta, matar, abandonar... Até onde isso se justifica? Eu pergunto sem deboches, senhor... pois sou pequeno perante a existência e não sei a resposta.
E essa empatia desmedida que eu tenho por tudo, senhor... de onde me vêm? Caio repetidamente na armadilha da abstração, e então é como se eu vivesse neles, senhor... como se eu vivesse nos pássaros, nas árvores, nos talheres e maçanetas... nos mendigos, nas vovós dos asilos, nas crianças de rua, e em cada um. Eu não queria que isso ocorresse, mas é inevitável. Eu sinto cada dor de cada um... são pessoas abandonadas pela busca da felicidade de quem eles mais amaram (e também algozes de si). Por quê, senhor? Por que a felicidade de um homem sempre culmina no sofrimento de outro? Essas pessoas... eu não consigo evitar de me colocar inteiramente no seu lugar e agir como se eu estivesse nelas de fato. Eu chego a sofrer por eles senhor, pois através dessa miséria impercebida, o sofrimento vem à minha vida. A consequencia da incosnciência deles é a minha infelicidade. Um grande dínamo de sofrimento, quando poderia ser de compreensão e compaixão. E quem consegue ficar leve, como se isso não fosse um fato. Um fato, pelo amor de Deus! Onde fica a consciência deles, senhor? No bolso? Onde fica a fronteira, senhor... entre o egoísmo e a busca por "ser feliz"? O que temos como objetivo de "ser feliz"? Graduação, dinheiro, carros, fama? Quantas pessoas magoaremos e abandonaremos até chegar lá? E depois... seremos realmente felizes?
O que faço com essa dualidade que me consome, senhor... o que devo fazer...? Matar... ou morrer?
O que deveria sentir por eles, senhor... por tudo?
O que seria coerente sentir? Compaixão... ou inveja?
E por que... que eu sinto os dois...?
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