mardi 22 juillet 2008

Cynopse

“Uma boa sopa ajuda você a reunir as pessoas que você gosta para uma refeição equilibrada e muito mais saborosa”.
Chove torrencialmente esta noite, e o vento arrasta as agruras das casas. O anúncio no verso da embalagem de sopa tentou me enganar. No meu desespero, quase acreditei, mas sei bem que a sopa não vai me ajudar a reunir você pra uma última ceia. Mesmo assim, eu trouxe a sopa pra casa, mas por outras razões. O anúncio, se o mundo fosse sincero, deveria ser esse: “Sopa artificial e rápida, como tudo se tornou nos nossos dias. Uma boa alternativa pra quem perdeu o ânimo e os motivos de demorar-se na cozinha”.
Eu vou fazer um bolo do seu descaso, e colocarei as cerejas dos meus erros em cima. Comerei tudo sozinho, sorvendo seu silêncio nos dias que virão, lembrando dos seus lábios e do seu ex-afeto. Beliscarei os hiatos crescentes entre a gente como salgadinhos pela manhã. E depois, vou defecar o meu coração na privada. Com um pouco mais de azar, talvez ele passe boiando por seus olhos, num afluente paulista. Vou enterrar o vestido de noiva que você usaria, junto com as promessas e frases que me acalantavam. Eu sabia que era falho, e quase jurava que sua compreensão fosse me transformar em pérola. Pensei que nosso amor era grande, mas o meu ficou sozinho, no escuro sem sua mão, batendo a cabeça no teto. Vou, só às vezes, lembrar de como achei que você relevaria meus impulsos tão explicados, que assim como todo ser humano que eu teria uma segunda chance. Vou abortar Felícia do meu útero, nossa filhinha que não vai sequer ser concebida, que está sendo agora, como seu nome, sublinhada como um erro pelo editor de texto – ele é um guru. Felícia, nossa junção de nomes... Foi mais uma bobagem do ímpeto da paixão, de um mísero mês tripudiado pelos anos anteriores, que tanto me deram segurança nas tuas lindas certezas de outrora. Vou seguir amando seus gritos comigo daquela noite no celular, que a minha relevância e amor me fizeram até gostar. Irei tentar me convencer, até meu último capítulo, que o amor não é como um vaso que se quebra e nunca mais é o mesmo, mas sim as flores do vaso, que podem ser transportadas pra novos vasos. Um aprendizado mútuo, vida e relevância – não um vaso. Quero um dia você vendo que o verdadeiro amor não morre, mas que gera sementes. E que as minhas perderam a terra fértil onde se multiplicavam, por causa de um vaso quebrado onde eu tropecei, por medo de deixar cair.
Vou calçar o brinco que você me devolveu, devolvê-lo ao chão onde eu o achei, com a minha orelha que você beijava, tentar ficar junto dele, estendido na rua... Ver se alguém me acha e manda a metade que sobrou de mim com afeto pra outro alguém. Vou transformar toda minha dor em arte... Arte pura como era a nossa dança, como era tua simples presença central num jardim, de pernas cruzadas num muro com seu suave sorriso. Quero que o mundo todo saiba dessa dor hanseniática que me consome e que você assimila como obsessão, que a vejam nos berros silenciosos dos versos que irei publicar nos muros, que o tempo e o vento passem às vezes pelo teu rosto, quando estiveres sozinha à noite, e que falem pras suas mechas dessa dor que me tem. Que te tornem sensível e cogitante... O tempo mostrará os nós a nós dois. Vou lembrar dos poemas que fiz em horas, cuidando pras letras não borrarem e fazendo linhas bem fininhas pra não ficarem feios. Terei a fronha de cúmplice, quando as lágrimas me assaltarem nas madrugadas, mostrando-me o quanto sou ridículo por ainda chorar. Por não ser de ferro como você. Por ser esse monstro repudiado que chora.
Depois disso tudo... Numa despedida de solteiro, entrarei na LE de fato, lá onde você será minha amada, onde seu sorriso me acompanhará pra sempre naquele lindo jardim, no rio próximo da usina, numa eterna tarde de domingo, suas mãos nas minhas, a voz doce a dizer que ainda me ama. Os risos e os fogos no céu abafarão o estampido. Ninguém verá e todos brindarão mais sofrimentos que se iniciam, na virada do tambor. Lá longe, mais longe do que meu mais distante quando, estará você, sorrindo com seus entes queridos e com seu novo amor, de vestido longo como foi meu passar dos dias. Brindes, mais um incômodo que se vai, um erro que ficou no passado, que atendia por uma letra, uma nódoa efêmera da trama dos teus dias. Lá no canto anônimo, minhas memórias que eram nossas voando longe, em pedaços brancos como a neve que não verei com você em Portugal. Um último vôo para a redenção, para um silêncio tão profundo e cabal onde nem sequer o baque da parábola esquálida será ouvido, o tímpano rebentado como o meu coração, anônimo, sem auxílio, sem a sua presença, sem um último encontro. A horizontal contínua, testemunhada pela gravidade da Terra e dos fatos, dos nossos pontos jogados ao nada, separados, nossos pontos que ficaram em zero a zero, na partida em que você apitou o final por uma falta. E eu saberei quando será o último dos meus pontos finais, e nada mais me agrada tanto... Por mais que ache mais um dos meus exageros. É suave expectativa, quase como a ânsia de ver-te novamente, que me acompanhava a cada despedida.
A errata corrigida, a arte consumada. Deixarei o violino de Mendelssohn como única testemunha. Um sorriso de alívio. Um favor a mim mesmo, e a toda humanidade.
Ao menos. A mim. Amém. O mais calmo e seguro que já dei.
.

2 commentaires:

Anonyme a dit…

Sabe qual é a pior dor? A do saber que somos apenas humanos, e humanos são falhos e egoistas, não sabem entender que tudo e todos são livres, o luto é necessério no MOMENTO, depois ele seve ser assimilado pelos dias. Nunca estamos só, mesmo quando estamos só. A fé é importante, so precisamos aprender como usa-la.
Dependa apenas de um ser sapiente: VOCÊ! Tudo o resto é passageiro.
Olhe para cima - AGORA.

Luiz A Costa

M_ a dit…

É lindo,
mas chega doer ...
Transcreves teu sentimento todo na tua escrita...
é o que salta aos olhos...
e talvez por isso, escreves assim...
tão magnificamente...

sim, porque é possivel sentir...